A
tradução seria algo como “a luz de Deus em mim saúda a luz de Deus em ti”.
Portanto, uma vez mais Namasté. Desde esta Luz e com uma enorme alegria e
entusiasmo partilho convosco parcas palavras sobre a marcante experiência de
Deus que tive a graça de viver durante os quase quatro meses que passaram. Índia
e Sri Lanka foram os países que me acolheram, países onde estranhamente me
senti em casa, onde pude encontrar Deus em inúmeros rostos marcados pelas rugas
de um passado doloroso e por um presente não muito mais prometedor. Mas ainda
assim encontrei muitos olhares esperançados. Esperança em Deus, na sua Luz e no
Seu Reino que é e está no meio de nós, Reino de Paz, Reino de Justiça, Reino
que somos convidados a abraçar e construir com as nossas débeis mãos… De
abraçar sem medida esta missão, uma missão a que somos chamados pelo nosso
nome, tal como Jesus fez com Pedro, André, Tiago e João.
Coincidência
das coincidências, ou quiçá seja melhor dizer, Desígnio de Deus, foi exatamente
com estas palavras decidi dar o meu tímido sim ao chamamento de Deus para ser
Missionário Claretiano. Tal como Jesus fez com os apóstolos, senti que Deus me
chamava a ser “pescador de Homens”, a “pescar” deste mundo carregado de
sofrimento, escuridão e incertezas tanta gente naufraga, tanta gente que nada
sem cessar por uma sobrevivência que pouco tem de humano.
Esse
imenso mar foi aquele que me apresentaram como horizonte quando me propuseram
uma experiência missionária de quase quatro meses na Ásia. Ficaria um pouco
mais de dois meses na Índia e um mês em Sri Lanka. Partilho convosco algo que
escrevi quando me informaram desta sorte:
“Desde que
decidi abraçar o chamamento de Deus e entrei para os Missionários Claretianos
sempre existiu uma enorme vontade de partir em missão. É certo que a minha
missão neste ou em momentos anteriores era outra, os estudos e a formação, mas
nunca perdi o sonho de poder um dia entregar-me totalmente a algo desconhecido,
ainda nestes tão verdes anos, onde tudo é descoberta e onde tento ser cada vez
mais esse barro húmido nas mãos do oleiro. Esse dia chegou bastante mais cedo
do que esperava e com destino a lugares que para mim pareciam demasiado
longínquos. Os desígnios de Deus são assim e a generosidade dos Missionários
Claretianos é enorme. Ao ver esta oportunidade com olhos realistas, não posso
dizer que isto seja propriamente um destino de missão, pois são só alguns
meses, contudo vou tentar vivê-lo como tal, pois acho que assim tudo pode
tornar-se mais exigente e autêntico. Deus é grande e sabe bem o que quer de
mim, portanto agora é tempo de deixar que Ele faça em mim e por mim.”
Com estas palavras em jeito de oração
me entregava nas mãos de Deus, confiado que ele me capacitaria para esta
exigente andança. E assim tudo começou. No dia 19 de Setembro abandonava o
nosso país, para embarcar numa longa viagem sobrevoando terras e mares. Depois
de algumas horas e escalas entre vários aeroportos, aterrava na primeira cidade
que me ia acolher: Calcutá, a metrópole que comoveu o coração da nossa Santa
Teresa de Calcutá. Recordo o momento em que cruzei as portas do aeroporto e os
meus sentidos foram bombardeados por várias frentes: o calor húmido que se
fazia sentir, os cheiros estranhos e intensos devido à grande sujidade nas ruas,
as vivas e alegres cores de vestidos e saris e finalmente o ruído de
buzinadelas de uma multidão na sua azáfama diária. Sim, era real! Estava a ver
com os meus próprios olhos o que alguém um dia me confessou: Calcutá é a cidade
indiana mais povoada da Índia. Que primeiro contacto com este país! Dois
Missionários já me esperavam para me levar para o seminário onde ia ficar
durante a minha primeira semana. A viagem de pouco mais de uma hora foi algo
surreal onde, confesso, tive algum medo. Na Índia a velha máxima do “as regras
existem para ser quebradas” leva-se à risca e na estrada cada um é dono de si,
desenrascando-se segundo a situação o permite. Esquivando-nos entre carros,
autocarros, tuk-tuks, vacas, cabras, bicicletas e peões lá chegámos sãos e
salvos depois de algumas Avé-Marias rezadas em silêncio. Fui acolhido como um
irmão mais no seminário e procurei integrar-me com a máxima rapidez que
consegui.
Um
dos primeiros desafios foi a comida. O arroz constante (pequeno-almoço, almoço
e jantar) e os picantes e condimentados guisados de frango ou de peixe que o
acompanhavam faziam com que o meu estômago se sentisse realmente fora de casa e
longe das tão saborosas “comidinhas da mamã”. Mas o desafio não acabava aqui,
pois querendo inculturar-me ao máximo, optei por, pouco a pouco, deixar de lado
os talheres e comer com o primeiro “garfo” de cinco dedos que Deus nos deu: a
mão direita, sim só com a mão direita! Diz a nossa velha sabedoria que
“primeiro estranha-se e depois entranha-se”. Com a graça de Deus, foi essa a
experiência que vivi ao ponto de agora achar que a comida não tem tanta piada
se não possuir um pouco do tão atrevido picante.
Como
disse há pouco, vivi uma semana de adaptação entre os irmãos Claretianos no
seminário, fazendo a mesma vida que eles fazem diariamente, partilhando oração
e trabalho, partilhando vida e vocação numa tentativa de conhecer um pouco mais
deste tão encantador país.
Passada
essa semana foi tempo de meter as mãos na massa e de, como diz o nosso Papa
Francisco, começar a cheirar a ovelha. Partia para a primeira missão a umas
sete horas de distância, já perto da fronteira com o Bangladesch. Esta missão
consiste numa pequena e austera escola construída pelos missionários situada
numa aldeia rural. Esta escola possui um pequeno lar que acolhe a 30 crianças
que vivem demasiado longe e que sem esta facilidade não teriam acesso à
educação. Nesta missão procurei estar com as crianças e tentar fazer do dia
delas mais alegre e diferente. A língua foi a primeira grande barreira, pois
nos meios rurais é rara a pessoa que sabe falar inglês. Mas quando Deus fecha uma
porta abre logo uma janela e graças a esse pequeno problema descobri uma grande
verdade: quando fazemos algo a partir do Amor de Deus, quando queremos dar um
carinho ou um beijo de aconchego, a língua do Amor, Amor com letra maiúscula, é
universal. Com a ajuda de Deus, posso confessar-vos que consegui fazer pequenas
amizades com algumas destas crianças, ainda que só nos entendêssemos por
sinais. Esta é sem dúvida uma bonita e exigente missão: a de poder dar um
futuro melhor a uma criança, incutindo desde cedo valores essenciais desde o
exemplo de Cristo, ainda que nenhuma destas crianças fosse cristã.
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