Sofia Fontes,
26 anos, enfermeira, New Cross Hospital – Wolverhampton, Serviço de Urgência
Conhecemo-nos
em 2014, no nosso último estágio do curso, e desde esse momento que temos uma
forte amizade. Ser enfermeira sempre foi o teu sonho?
Sim, é verdade!
Conhecemos-nos no estágio de Saúde Mental, mesmo no fim do curso. Há quase 5 anos
atrás. Em relação à tua pergunta, surpreendentemente, a resposta é não. Acho
que Enfermagem nunca me tinha passado pela cabeça até ter entrado na ESEP. Eu
sempre achei que queria ser dentista e foi para aí que apontei quando acabei o
Secundário. Concorri a Medicina Dentária como primeira opção e depois fui pondo
cursos que tinham algumas disciplinas em comum. Pensei que se não entrasse (e
não entrei mesmo!), no segundo ano pediria transferência. Isso também não
aconteceu… Acabei por gostar tanto do primeiro ano que acabei por ficar até ao
fim, concluir a licenciatura e, hoje, acho que estava mesmo destinado a ser
assim.
O que
é que mais te apaixona na profissão?
É o todo, a
complexidade e a polivalência da nossa profissão que me faz gostar tanto e
orgulhar daquilo que sou. Enfermagem é tão mais do que aquilo que se diz. Mas
se tivesse que escolher uma só coisa, assim aquela mais significativa, diria
que é o fazer a diferença na vida (e na morte) de alguém todos os dias.
Trabalhando num Serviço de Urgência isso acontece-me na maioria dos turnos … e
não há melhor recompensa, ao chegar a casa, no final de turnos longos, do que
pensar que fizeste, realmente, a diferença em alguém e na sua família. A maior
parte dessas pessoas nunca mais se vai esquecer de ti.
Há
algum momento que guardes na memória com carinho, desde que te tornaste
enfermeira? Um que dê sentido ao ser enfermeira, por exemplo.
Há, há muitos momentos. Vou partilhar
um contigo… Há dois anos atrás estive a trabalhar na noite de Natal. Estava
responsável pela sala de reanimação e tive um doente oncológico, altamente
instável e com mau prognóstico logo à chegada. Nenhum familiar presente nem
sequer sinais de que chegariam, até. A situação foi piorando rápida e
significativamente e a equipa acabou por tomar a decisão de não tratar
agressivamente nem de reanimar em caso de paragem cardiorrespiratória. O plano
passou a ser manter o doente confortável, sem dores, assegurar uma morte digna -
paliativos, portanto. Os médicos acabaram por sair, os meus colegas também,
porque haviam mais pessoas a precisar de cuidados e fiquei lá eu, sozinha, com
ele. Fiquei sentada ao lado da cama, arranjei-lhe a roupa da cama, agarrei-lhe
a mão e contei-lhe como estava triste porque não estava em Portugal, não estava
com a minha família no Natal, que tinha saudades de casa. E repeti que estava
tudo bem e que ia ficar tudo bem muitas vezes… até ele morrer. Chorei, chorei
muito depois. E não tive vergonha que os meus colegas me vissem a chorar. A
partilha daquele momento foi o mais importante e o que ficou marcado em mim. Eu
sei que isto parece tudo muito cliché, que dá uma visão muito “romântica”
daquilo que é ser Enfermeira, mas é a verdade!
Lembro-me
do dia em que te disseram que começarias a trabalhar em Setembro, no Reino
Unido. Isto foi em Julho de 2014. Quando começaste o curso, vias-te a emigrar?
Não, não
fazia ideia. Esta coisa de emigrar só chegou no último ano, já nos últimos
meses da Licenciatura, por incentivo de uma das minhas tutoras. Ela já era
Enfermeira no SNS há bastante tempo, estava descontente com a situação e estava
a pensar emigrar. Ela ia-me falando do estado da Enfermagem em Portugal e de
como os recém-licenciados tinham imensa dificuldade em arranjar emprego. Eu
sabia que não queria ficar parada muito tempo e a emigração passou então a ser
opção. Acabamos por nos inscrever juntas na empresa de recrutamento.
Os
enfermeiros portugueses são conhecidos por serem os melhores. Agora que estás
fora, sentes essa diferença?
Ah sim,
imenso! Principalmente no inicio, quando cheguei. Quando me comparava às colegas
inglesas recém-licenciadas notava diferenças principalmente a nível de conhecimento
teórico, gestão de tempo e de prioridades. Ainda no outro dia chegou um médico
novo ao serviço e me perguntou de onde era. Quando lhe disse que era portuguesa
a resposta foi: ainda estou para conhecer um Enfermeiro português em quem não
possa confiar.
Quando
estivemos juntas, dizias que as tuas alunas te acham uma tutora muito exigente.
Porque é que achas que elas o dizem?
É verdade.
Faço muitas perguntas. Acho que é porque sempre tive bons exemplos a nível de
supervisão clínica e de tutores. Sempre foram exigentes comigo, sempre me
incentivaram a praticar Enfermagem baseada na evidência científica e gosto de
perpetuar isso.
Estar
fora do nosso país não é fácil. Como tem sido para ti estar fora há quase 5
anos?
Foram cinco anos que passaram muito rápido, sinceramente. Mas tem tido os seus
altos e baixos. Há alturas em que gosto muito de estar aqui, em que sinto que a
minha profissão é valorizada e reconhecida, e aí lembro-me que se calhar (ou
quase de certeza) que não iria ter as mesmas oportunidades em Portugal. Estou a
investir muito na minha vida profissional, neste momento. E aliás, foi
exatamente atrás disso que eu vim. Outras alturas são mais difíceis e tenho
vontade de voltar para Portugal. Não tenho aqui a minha família, não tenho os
amigos de sempre… não tenho sol! Adaptar ao clima e a poucas horas de sol
também foi complicado. Há momentos de tudo.
O que
é que te dá força para aguentares por aí?
A
progressão na carreira e as condições que me dão a nível de trabalho, essencialmente.
Isso aliado ao facto de conseguir ir bastantes vezes a casa. Sou capaz de ir a
Portugal de três em três meses. Tento juntar o melhor das duas coisas.
Como
é que, estando fora, vês a Enfermagem no nosso país, atualmente? O que achas
que é preciso para que a nossa profissão se endireite?

Voltar
faz parte dos planos futuros?
Faz, acho
que fez sempre. Talvez quando começar a pensar mais e mais seriamente em
constituir família isso aconteça.
Que
conselho dás aos jovens que estão agora a entrar, frequentar ou terminar o
nosso curso?
Não sei, esta é uma pergunta difícil. Acho que quem escolhe
entrar agora para Enfermagem ou quem está a meio do curso já sabe das
dificuldades que vai encontrar. Fala-se muito de Enfermagem, agora. Nem que
seja pelas piores razões. Mas talvez lhes dissesse para serem resilientes e que
nunca deixem de acreditar que um dia seremos reconhecidos pelo que somos e pelo
nosso valor.
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