Voltei, ao fim de algum tempo, tinha de voltar. Infelizmente, não volto por boas razões. Como todos sabem (ou deviam saber) o mundo está a enfrentar uma pandemia. Eu nunca pensei ter de passar por isto. Vermos vidas a serem perdidas por causa de um vírus que apareceu do nada. Vermos a exaustão de todos aqueles que lutam diariamente contra um vírus. Ver o mundo a parar...
Sou enfermeira e desde Julho de 2014 (desde o dia daquela foto) que estou na linha da frente. Todos os dias. Eu e os meus colegas espalhados pelo mundo. Desde o dia em que fizemos aquele juramento: lutar pela vida. E hoje, esse juramento faz ainda mais sentido. Tantas vezes somos criticados nas redes sociais, televisões, rádios e jornais porque reivindicamos melhores condições de trabalho. Todos os dias estamos lá. Abdicamos de festas e jantares em família, abdicamos de aniversários, abdicamos dos cafés nas esplanadas, de tempo com os que amamos. Tudo para cuidar dos vossos. Porque os vossos são também os nossos. Passamos mais tempo com eles, do que com os nossos, por isso, eles são também nossos. E sentimos o sofrimento deles e a perda deles. Sim, nós enfermeiros também sentimos.
Atualmente, enfrentamos o maior desafio das nossas vidas. Conseguir salvar o maior número de vidas atingidas por um vírus, pequenino e vindo do nada, mas que veio para causar grandes estragos. Um vírus que apenas trouxe uma coisa boa: fazer com que as pessoas percebam que o mundo funciona se pararmos mais, se valorizarmos mais aquilo que realmente importa. Este é um vírus que não olha a idades, raças, religiões ou estratos sociais. É um vírus que não toca só ao outro. Toca a todos!
E sabem o que mais me custa? É saber que nós estamos na linha da frente, a colocar a nossa vida em risco, a colocar a vida dos que amamos em risco, para vos ajudarmos e ajudarmos os vossos. E existem pessoas que continuam a achar que é "apenas uma gripezita" e desobedecem às recomendações da Direção Geral de Saúde. Quando é que vão perceber que os outros somos nós? Eu sou o outro do meu outro. É assim tão difícil perceber isso? Vocês não sabem se o vosso outro pertence a um grupo de risco, se tem doenças crónicas que os coloquem em risco, se estão grávidas e as colocam em risco, e ao bebé. Quando é que vão parar de ser egoístas e pensar no outro? Os nossos avós e até alguns pais foram para a guerra. Tiveram de abandonar as suas casas e famílias e ir para a guerra, matar outros para defender a pátria. A todos nós (aqueles que podem) só nos pedem para ficarmos em casa! Ninguém pede para abandonarem a família, para sairem de casa, para matarem. Apenas vos pedem para ficar em casa, com a vossa família, para salvarem vidas. Conseguem perceber a diferença?
Eu estive na linha da frente até há 2 dias atrás. Hoje estou de quarentena preventiva, porque além de profissional de saúde sou doente autoimune, o que me coloca num grupo de risco. Enquanto estive na linha da frente contactei com os vossos, que podiam ou não estar infetados. Contactei sem, por vezes, ter reunidas as condições de segurança necessárias. Mas a minha profissão e o amor pelo que faço faz-me arriscar. Hoje tenho de me resguardar, tenho de me proteger, porque não posso cuidar dos outros se estiver mal. E protegi-me porque não estavam a cuidar de mim nem me deixavam fazer aquilo que sei fazer bem: salvar vidas. Mas fiz chegar à ordem a minha disponibilidade para ajudar no que puder a partir de casa, porque um pequeno gesto faz toda a diferença.
Por isso, por favor, fiquem em casa! Respeitem o esforço e sacrifício daqueles que, todos os dias, e mais agora, colocam a sua vida em risco para salvar a vossa. Sim, ontem arrepiou ouvir as palmas, mas as melhores palmas que nos podem dar é serem também a linha da frente, ficando em casa.
A vocês, meus colegas que continuam na linha da frente a dar o corpo às balas, força! Juramos pela vida e estão a dar o vosso melhor! Não podia ter mais orgulho na minha profissão e em todos vocês que se cruzam e cruzaram comigo ao longo destes anos. Estamos juntos e vamos vencer esta guerra! Nos hospitais, nos lares, nos centros de saúde, na emergência, em casa, mas sempre juntos, na linha da frente!
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